5.5.07

O outro lado...

TENDÊNCIAS/DEBATES

É positivo o projeto que prevê o monitoramento eletrônico de condenados e presos provisórios?

NÃO

Foco distorcido

GUNTHER ALOIS ZGUBIC e JOSÉ DE JESUS FILHO

A COMISSÃO de Constituição e Justiça do Senado acaba de aprovar dois projetos estabelecendo o monitoramento eletrônico de condenados e presos provisórios.
Por sua vez, tramitam na Câmara três projetos versando sobre o tema. Todos falam em diminuição da população prisional. No entanto, tais proposições não visam alternativas à pena privativa de liberdade, mas sim alternativas à própria liberdade.
Os projetos pretendem o uso de dispositivos eletrônicos em condenados que cumprem pena nos regimes aberto e semi-aberto, no livramento condicional e em presos provisórios.
Ora, nas três primeiras situações, os investigados ou condenados já gozam da liberdade, ainda que restringida no tempo e no espaço. A colocação de dispositivos para o rastreamento de seus passos representará, desse modo, um "plus" no controle dos condenados, e não uma alternativa à privação da liberdade tendente a reduzir a superpopulação prisional.
Em nenhum momento o monitoramento eletrônico se apresenta como alternativa à prisão. Ele sempre aparece como acréscimo na privação ou restrição à liberdade. Mesmo quando aplicado aos presos provisórios, ficam excluídos os que praticaram crimes hediondos, com grave ameaça ou com violência à pessoa. E, nesses casos, os juizes já não concedem a liberdade provisória. De modo que não há nenhum benefício com o monitoramento eletrônico. Exceto para a indústria do controle do crime. Para essa, os benefícios econômicos são evidentes.
Mesmo que houvesse mudança legislativa efetivamente dirigida a substituir a pena reclusiva por um "cárcere virtual", ainda assim não é certo que haveria uma desaceleração do crescimento da população prisional.
Para constatar isso, basta recordar que a ampliação do rol de crimes atingidos por penas alternativas não significou diminuição da pena privativa de liberdade, ao contrário, a população carcerária continuou crescendo. De fato, criar alternativas à pena de prisão não atingiu necessariamente os operadores do direito, especialmente juízes e promotores, que continuam refletindo a demanda social por mais punição. Em outras palavras, mais leis não resolvem um problema que é cultural.
Receamos também que o uso de dispositivos eletrônicos em condenados não pare aí, mas que sua aplicação se estenda "ad infinitum", ampliando o controle social. Agora se propõe o uso em condenados; futuramente, nos demais cidadãos. E, claro, sempre sob o argumento de que ninguém está obrigado a usar o mecanismo, mas sem eles fica mais difícil ter emprego, conta bancária e assim por diante.
Se o dispositivo for, como querem alguns, um microchip do tamanho de um grão de arroz inserido por baixo da pele, permitindo até monitorar os batimentos cardíacos e a pressão arterial, ele significará uma invasão da intimidade da pessoa.
Por fim, é importante recordar que tais alterações pontuais com freqüência ferem a sistematicidade do sistema penal. E, nessa década, como na precedente, o Congresso Nacional foi profícuo em bombardear o sistema com leis esparsas e contraditórias, das quais o maior exemplo é a Lei dos Crimes Hediondos.
Por essa razão, esperamos que qualquer alteração venha precedida de ampla reflexão e discussão, ouvindo especialistas e tomando conhecimento das experiências já realizadas em outros países.
Na Inglaterra, por exemplo, houve um recuo no processo de implantação do monitoramento eletrônico ao se perceber que o sistema ainda era falho. Também carecemos de um estudo do investimento necessário, pois ele não se resume à colocação de um chip ou uma tornozeleira.
Se a intenção de aplicar o monitoramento eletrônico é reduzir a superpopulação, e não aumentar o controle e a punição, então qualquer proposta, para ser efetiva, deverá contemplar aqueles condenados no regime fechado.


GUNTHER ALOIS ZGUBIC, 57, é sacerdote católico e Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária.

JOSÉ DE JESUS FILHO, 32, é missionário oblato de Maria Imaculada e advogado da Pastoral Carcerária.

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